30 de outubro de 2010

Meu avô

Uma mistura de lembranças com saudades


Relutei muito para falar do que eu sinto. Mas penso que esse blog é minha terapia, já que não tenho grana e nem saco para enfrentar psicólogos que entendem menos do que a gente.(com suas devidas exceções , Dona Cléo)

Nunca tive uma boa relação com a morte. Acho que na verdade ninguém tem. Sou católica, praticante de vez em nunca, e tenho um pé e ½ no espiritismo. Talvez seja isso que me console: saber que essa vida é uma passagem e que em breve estaremos todos juntos, mais evoluídos.

Enfim, perdi meu avô materno há três anos. Era o que eu tinha mais contato e com o qual convivi nas longas férias e feriados até os meus 27 anos.

Tenho bem vivo na minha mente as lembranças de minha infância ao lado de meu avô, cujo nome era Santinho de Souza. De santo, ele só tinha o nome. Lembro do seu cheiro de cigarro de palha feito com fumo Sabiá. Das histórias de assombração que ele contava para seus netos, que nos faziam arrepiar de tanto medo, mas que fazíamos questão de nos reunirmos em torno do fogão à lenha para ouvir a historia de quando ele meu outro avô matou um lobisomem. A melhor parte dessa história era quando ele nos mostrava o dente do tal lobisomem.

Fecho os olhos e ouço ele me chamando de fia, me apresentando como a sua neta mais velha. Sentada no balanço da mangueira, ele de chapéu, cigarro de palha na boca e me empurrando cada vez mais alto no balanço, dizendo que eu era muito levada e eu o corrigia: não vô eu sou é sapeca.

Também lembro-me de suas bebedeiras, que o faziam dizer o que não devia. Ficava machista ao extremo e mulher não podia ficar por perto quando tinha visita de homens na casa.

A melhor parte da convivência com meu avô foram a minha adolescência e juventude.

Na adolescência todos já haviam saído da roça e a fazenda ficou só para passeios. No amigo-oculto de Natal ele me tirou, todos se ofereceram para ajudar a comprar o presente, já que o consideravam velho demais para fazer suas próprias escolhas. Ele disse que não precisava de ajuda e foi só, comprar meu presente.

Tive uma grande surpresa ao ser presenteada com uma gargantilha e brincos de ouro, que guardo há 14 anos e que só uso em momentos especiais. (detalhe o amigo-oculto era de 10 reais... todos ficaram enciumados com o presente que ganhei, mas ele logo se justificou: ela é a mais velha).

Minha festa de 15 anos foi em sua casa. Festa simples, mas com os meus amigos, família e ele presente...

Na juventude foi a época em que a ficha caiu que era um privilegio aos 20 ter um avô vivo e foi então que me tornei amiga de meu avô. Falávamos horas, sobre política, seu assunto preferido. Na época viajava por todo Brasil fazendo pesquisas e ele me dizia que só concordava porque sabia que eu era muito ajuizada.

Meu avô não chamava atenção, era muito sistemático. Minha ave tinha que servir o seu prato de comida. Quando queria que algum namoradinho fosse embora ele só arranhava a garganta, esse era o código. Era do tipo que marcava hora para chegar em casa e aí de quem não respeitasse. Vivíamos atrasando o relógio para ganhar mais umas horas na rua.

Quando passei no vestibular pra turismo ao ligar para contar a novidade para meu avô, recebi a noticia que ele tinha sofrido um AVC e que tinha paralisado o lado esquerdo e prejudicado um tanto a fala. Corri para Caratinga. Encontrei meu avô que era tão ativo, que andava quilômetros a pé para visitar sua fazenda e cuidar de seus animais, em cima de uma cama, mas completamente lúcido. Contei da minha vitória no vestibular e ele me deu parabéns apertando as minhas mão e me beijando a testa.

O maldito AVC se repetiu em menos de um mês. Dessa vez ele parou de andar, de falar e logo depois teve a perna esquerda amputada por duas vezes, nisso minha mãe e tios já haviam trazido ele para BH. Depois da operação na perna ele ficou totalmente dependente e foi então que eu vi vergonha e grande tristeza nos olhos de meu avô por ver sua neta, tão querida, lhe dando banho, trocando fraldas e lhe alimentando. Nunca tinha visto meu avô nem de bermuda.... Àquela situação era muito constrangedora para ele. Depois ele foi se acostumando: dava lhe banho, fazia sua barba, cortava suas unhas e cuidava das terríveis escaras que aparecerem em seu corpo. Viam-se os ossos, de tão ferido que estava.

Meu avô ficou 4 anos em cima de uma cama. Ele não era um vegetal. Das sua boca as únicas palavras que saíam era Nossa Senhora, mas consegui nos mostrar o que queria. Ele continuava assistindo seu futebol e acariciando a minha mão quando eu chegava para visitá-lo. Meu marido teve tempo de conhecê-lo quando ainda éramos namorados. Meu avô aprovou com os olhos.

Ele faleceu segurando a mão de meu tio, que é um irmão pra mim, e a mão de minha avó.

Sofri muito a sua morte, mas também me trouxe um pouco de paz, porque meu coração acredita que os males que ele tenha feito foram pagos naqueles quatro anos de confinamento em uma cama. Tenho certeza que ele está do lado do Pai.

Como foi bom ter um avô...


meu avô é o de boné. no tradicional jogo da família Souza X Moreira


o pássaro preto que era ciado solto e pousava em nossas cabeças

minha mãe de calça e minha tia e eu lá no fundo com meu pai. a casa rosa


10 comentários:

Lara Mello disse...

Eu não conhecir o meu...

Anônimo disse...

Caramba, eu me lembro do fumo SABIÀ. Ainda existe?

Lília disse...

Que postagem linda!!

Realmente o que fica são as lembranças e o amor que nunca se vai!!

Super beijos

Adenilton disse...

É meu amor, devemos sempre lembrar dos entes queridos, pois tenho um sentimento proprio de que "o céu" e ou "inferno", para os que se vão é resultado de boas vibrações Ou não e sentimentos bons ou ruins que temos a respeito dos entes e que devemos sempre ver o lado bom das pessoas e sendo assim com certeza este lugar lá em cima deve ser um conforto para ele(s).

Keila disse...

Pena,Lara. Ter avós faz bem pra infância e pra vida toda.

Keila disse...

Acho que existe sim, Nira. Acho que no mercado central aqui de BH ainda vende.

Keila disse...

Lilia, o amor é o que permanece.

Keila disse...

tomara, amor, tomara... bjs

Cléo Mota disse...

Ainda que eu acredite na psicologia e em boas psicólogas entendo que esse espaço possa ser "terapêutico". rssssss
Linda postagem...

Keila disse...

Cléo, é pura terapia, quase uma regressão!
bjs